O semeador de esperança e a juventude longe do cárcere

2 de maio de 2018 - 12:12

As duas décadas de serviço em presídios cearenses não tornaram embrutecidos os sensos de Alexandre Leite. Aguçaram a humanização do agente penitenciário para o contexto das trajetórias de vida encarceradas. Em 2017, preocupado com a realidade de jovens atraídos pelo crime e superlotando cadeias, ele decidiu usar da sua experiência no que transcende o profissional. Criou o projeto voluntário Sementes do Futuro, responsável por levar a escolas da rede pública estadual a mensagem de que somente a educação e valores fincados na cidadania serão capazes de mudar o curso da tragédia para finais felizes.

“Para você ter ideia, há 23 anos, a população carcerária era de adultos. Quase não tinha jovens. Hoje, se você for em qualquer unidade nossa, nossa juventude, nossos jovens, nossos filhos estão lá dentro. A gente tem se preocupado com o aumento. Esse projeto se resume a nós causarmos nos jovens, principalmente nas escolas públicas estaduais, a importância de valorizar as suas decisões, com base em ética, valores que com o tempo têm sido perdidos”, explica.

 

Coordenador operacional do Sistema Penitenciário (Cosipe), Alexandre preparou o projeto com auxílio de pessoas próximas. Em pouco tempo, ele sensibilizou os colegas de Grupo de Apoio Penitenciário (GAP). Outros agentes penitenciários reforçaram a equipe para, no tempo livre, tirar do papel as ideias e realizar efetivamente o trabalho nas escolas.

 

As primeiras apresentações da iniciativa foram em áreas periféricas de Fortaleza. Estudantes dos bairros Mondubim e Bom Jardim receberam o início da distribuição de sementes para o futuro. “O resultado foi muito satisfatório. Logo no começo os adolescentes gostaram muito, como também os educadores das escolas. Os diretores e os professores passaram a indicar a nossa apresentação para outros, e isso foi crescendo”.

 

Atualmente, a turma de Alexandre reverbera esperanças não só pela Capital, como também por municípios do Interior e da Região Metropolitana. “Já fomos em Jaguaribe e Cascavel, a intenção nossa é que consigamos tempo hábil para alcançar ainda mais lugares”. Segundo contabilizou o agente, cerca de 500 jovens da rede estadual já foram impactados pelo projeto.

A mensagem

Em cada apresentação do Sementes do Futuro os agentes penitenciários mostram o trabalho desempenhado por eles, para “confrontar os jovens acerca dos ilusórios caminhos de quem escolhe o crime como modelo de vida a ser seguido”. Dentro deste propósito são apresentados, em palestra de duas horas e meia de duração, os dados sobre a situação das unidades penitenciárias, imagens dos presídios, depoimentos de agentes e de internos, testemunhos de pessoas que venceram difíceis realidades e hoje desfrutam de oportunidades dignas. Como parte prática, a equipe realiza demonstrações de suas práticas diárias e números de adestramento com os cães do canil do GAP.

 

“Creio que nenhum preso queira estar lá (em unidade penitenciária). Mas foram as decisões erradas que eles tomaram que fizeram eles chegarem até lá. Por isso queremos orientar, sensibilizar, compartilhar experiências, mostrar um caminho certo a seguir. Com essa escolha, eles podem ter outro futuro, diferente daqueles que estão nas unidades”, relata o idealizador.

Atração a parte

Quando chegam às salas de aula, os agentes fardados contam com a ajuda de simpáticos aliados para prender a atenção de todos os estudantes. Os cães que agem dentro dos presídios em ações do GAP são utilizados como verdadeira atração a parte. Demonstrando suas habilidades, os animais cativam os estudantes com a disciplina e compromisso diante das missões de farejamento e controle de situações de risco.

 

“O Canil do GAP nos auxilia em todas as nossas missões, seja em intervenção ou no faro. O cão é uma força que veio a somar no nosso agrupamento. Contamos com adestradores formados em cinotecnia (ciência que estuda o comportamento dos cães), e que tem nos ajudado para levar dentro do projeto esse momento diferente e também de lição aos jovens”, complementa.

 

Supervisor do canil, Antonio Carvalho corrobora com as palavras do amigo e colega de projeto. Desde o início no Sementes do Futuro, ele conta que o seu trabalho e de outros adestradores recebe mais motivação com a animação e aplausos da juventude cearense. “O contato com o cão ajuda muito. Quando termina a apresentação, os alunos vêm para abraçar os cães, abraçam a gente. É muito gratificante”.

 

O canil do GAP foi criado há dez anos e dispõe do trabalho de seis agentes penitenciários, no plantão normal e fim de semana. “Começamos esse canil quando cinco operacionais foram fazer curso no BPChoque. Adquirimos o cão Fox, um pitbull. Até então falavam que a raça não dava para trabalhar. Nós compramos e treinamos. Hoje ele é um exemplo de cão que trabalha na área penitenciária no Ceará. Está hoje aposentado, com 13 anos de idade. O grupo não deixou ele sair daqui. É o nosso mascote, toda tarde a gente brinca com ele. Ele foi o início do nosso canil, e que agora nos ajuda neste projeto tão legal”, finaliza Carvalho.

Recompensa maior

Nas escolas, a resposta tem sido gratificante para os voluntários do grupo tático. Ao longo das apresentações, a recompensa está nos olhares atentos e interessados de estudantes que vivem diariamente os desafios enraizados nas áreas de extrema vulnerabilidade social. Ao fim de cada evento em escola, a recompensa, resume Alexandre, está no “obrigado” e no “eu quero algo melhor” que parte de adolescentes do Ensino Médio.

 

“Para nós, o futuro são os jovens. Eles são a semente. Se germinarem num solo bom, vão dar em um fruto bom. Se germinarem num solo ruim, vamos ter uma sociedade muito pior do que a nós temos hoje. O projeto Sementes do Futuro é um projeto simples, de pessoas simples, mas apresentando fatos reais. Fazemos sempre o choque de realidade das escolhas erradas aqui forma que resultam no que ocorre lá dentro do sistema penitenciário. Apregoamos valores como honra, disciplina, irmandade, ética, agir dentro da legalidade, tudo isso com palestras e dinâmicas que abordam esses pontos. A gente mostra aos jovens que é saudável ter essa vida e nos traz resultados bons no futuro”.

Sobre o GAP

Ligado a Secretaria da Justiça e Cidadania (Sejus), Grupo de Apoio Penitenciário surgiu para agir no operacional tático dos agentes penitenciários no Ceará. Atualmente, 120 homens e mulheres atuam na organização estratégica em demandas de segurança do sistema penitenciário estadual, divididos em quatro equipes plantonistas (Alfa, Bravo, Charlie e Delta).